quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Um mundo mais quente, árido e violento?

Uma análise de estudos sobre o impacto de eventos climáticos na sociedade identifica forte relação causal entre alterações no clima e conflitos humanos ao longo da história. Jean Remy Guimarães discute o tema à luz do aquecimento global já em curso.

Estudos sugerem que o aumento da temperatura da Terra levará ao maior número de conflitos sociais. (imagem: sundeip arora/ Scx.hu)

A relação entre calor e violência já foi explorada em diversas obras de ficção, como nos filmes Faça a coisa certa, de Spike Lee, Um dia de fúria, de Joel Schumacher, Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos, e o romance O estrangeiro, de Albert Camus, para citar apenas alguns.

Não se faça de desentendido. Você também é parte desse enredo: atire a primeira pedra se nunca teve impulsos homicidas no auge de um engarrafamento infernal, no ápice de um verão tórrido, em um veículo sem ar condicionado.

Então, já que o planeta caminha para um futuro cada vez mais quente e árido, este será também um futuro mais violento? O bom senso sugere que sim. Todos sabemos que o calor irrita e que o calor sem água enlouquece.  Resta saber de que somos capazes quando irritados ou enlouquecidos. Calma, foi só uma hipótese...

Mas o fato é que essa relação vem sendo pesquisada por muitos autores, há alguns anos. Previsivelmente, os resultados são contraditórios e muito discutidos. Por isso mesmo o prof. Solomon M. Hsiang e seus colegas das universidades de Princeton, Berkeley e Cambridge resolveram radicalizar e abarcar eventos dos últimos 10.000 anos em cinco continentes, em uma espécie de meta-análise de 60 trabalhos que consideraram mais rigorosos e/ou completos, publicados em 26 revistas, por cerca de 200 pesquisadores e tratando de 45 conflitos.

O trabalho foi publicado este mês na Science e mostra que, submetida a um tratamento estatístico padronizado, essa massa de dados fala: há uma forte relação causal entre eventos climáticos e conflitos humanos, em diferentes escalas temporais e espaciais e em todas as regiões do globo.
Antes que você saia para comprar um soco inglês ou um AK-47, cabe lembrar que o termo conflito, nesse caso, vai desde o uso intempestivo de buzinas no Arizona quando o calor aperta, passa pelo aumento da pancadaria em torneios esportivos e vai até o colapso de civilizações inteiras, como os maias na América Central, os tiawanakus nos Andes e o reino Khmer de Angkor, no Camboja. Tudo bem, pode ir comprar seus brinquedinhos.
Chichén Itzá
Chichén Itzá, localizada no estado mexicano de Iucatã, funcionou como centro político e econômico da civilização maia. Estudos recentes relacionam mudanças climáticas ao fim dessa civilização. (foto: Leonardo Cânon/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)

Condutas polêmicas

Os autores evitam sugerir que o clima seja a única ou principal causa de conflitos, mas afirmam que variações importantes do mesmo podem ter efeito importante no surgimento de conflitos em diversos contextos. Chegam a especular que até meados do século 21 o risco de guerra civil poderia aumentar em até 50% em muitos países.

Naturalmente, há céticos que lembram que uma correlação estatística, sem teoria que explique a suposta relação causal, não significa nada.

Portanto, podemos seguir sem culpa usando eletricidade para aquecer água em um país esturricado pelo Sol o dia inteiro e emitindo carbono para não sair do lugar no cenário cada vez mais surreal da imobilidade urbana. No cenário da produção de energia nova e menos suja, sigamos construindo parques eólicos que não têm linha de transmissão para entregar sua produção e hidrelétricas com sistemas incompatíveis com a linha de transmissão, como as do Rio Madeira, já suficientemente polêmicas.

Pesados subsídios aos combustíveis fósseis e à produção de automóveis coexistem com a pesada carga tributária sobre cadeias produtivas ambientalmente corretas. A queda nas emissões de carbono, graças à redução do desmatamento, foi engolida pelo aumento de emissão pelas termelétricas, acionadas para socorrer as hidrelétricas de reservatórios minguados pelas chuvas preguiçosas.

O nó no trânsito devido à opção pelo transporte individual, ele próprio tolhido pelo caos dos ônibus, explorados por consórcios sem fé nem lei, deu no que deu: o país desceu às ruas, que já não estavam fluindo mesmo.

Mas, ora, estamos no inverno e foi tudo por conta dos tais R$ 0,20, direis. Talvez, mas, como sempre, os acidentes e os conflitos são multifatoriais, e o clima aqui tem seu papel: com mais chuvas no lugar e hora certos, estaríamos melhor. Com uma gestão mais eficiente e integrada, também. Mas então talvez não teríamos descido às ruas e as planilhas das empresas de ônibus continuariam pertencendo ao mundo das lendas urbanas, muy urbanas.

Pensando bem, até que um susto pluviométrico pode ser instrutivo e útil. Mas também sai caro e contribui para futuros sustos de mesma índole. Teremos, portanto, novas oportunidades de abordar o assunto.

Ai, ai.

Jean Remy Davée GuimarãesInstituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro


Fonte: Ciência Hoje.
Publicado em 20/08/2013

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