sábado, 12 de outubro de 2013

Medidas urgentes

Em artigo para a CH On-line, Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo e membro do IPCC, comenta o novo relatório da entidade e reforça a urgência na redução de emissões de gases de efeito estufa.

 
Medidas urgentes
O novo relatório do IPCC aponta, com 95% de confiabilidade, que o planeta está aquecendo devido às emissões de gases de efeito estufa feitas pelo homem. (foto: Ian Britton/ Flickr – CC BY-NC 2.0)
 
Após um exaustivo trabalho de mais de 950 cientistas durante quatro anos, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou, na última sexta-feira (27/09), seu mais recente relatório sobre o estado da arte na ciência das mudanças climáticas, chamado de ‘Assessment Report 5 – AR5’. O IPCC é o órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável pelo levantamento científico das questões associadas às mudanças climáticas globais, composto por cientistas de vários países e áreas, que analisam a literatura científica publicada e a sintetizam em extensos relatórios periodicamente.

O Relatório IPCC AR5 é estruturado para auxiliar os governos em suas políticas públicas associadas ao combate às mudanças climáticas. O relatório, com mais de 2.500 páginas, tem em sua lista de referências um impressionante número de 9.200 artigos científicos analisados criteriosamente. Nenhuma outra área do conhecimento faz uma análise periódica tão exaustiva de seus achados científicos. O AR5 foi formalmente aprovado por 195 governos.

Nesse documento, o IPCC coloca mais uma vez que é inequívoco que as atividades humanas são responsáveis pelo aquecimento observado em nosso planeta. Baseada em um enorme número de observações ambientais e em resultados de 21 complexos modelos climáticos, a comunidade científica da área climática coloca, com 95% de confiabilidade, que o planeta está aquecendo devido às emissões de gases de efeito estufa feitas pelo homem.

Inúmeras outras mudanças no clima também estão sendo observadas com sólida documentação científica, tais como a diminuição da cobertura de gelo no Ártico, o aumento de temperatura e acidez nos oceanos, reduções na extensão de geleiras e aumento do nível do mar (já aumentou 19 cm nos últimos 100 anos).

A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera cresceu 40% desde 1750, e esse aumento deveu-se principalmente à queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) e ao desmatamento de florestas tropicais. A concentração de metano (CH4), que é outro gás de efeito estufa emitido pela exploração de gás natural e por emissões da agropecuária, subiu mais de 150% desde o início da Revolução Industrial. São alterações inequívocas na composição da atmosfera, causadas pelo homem.

Modelos mais completos

O IPCC AR5 também fez várias projeções sobre o clima nas próximas décadas e, para isso, usou uma nova metodologia em relação às emissões. No último relatório (AR4), de 2007, a interferência humana era medida por meio dos chamados cenários de emissões, em que se tentava contabilizar emissões dos principais gases de efeito estufa, como CO2, CH4, óxido nitroso (N2O) e outros, ao longo das próximas décadas.

No AR5, temos cenários não de emissões, mas de concentrações atmosféricas e suas forçantes radiativas no clima. A forçante radiativa consiste em contabilizar as mudanças no balanço radiativo terrestre devido a um particular agente climático e é expressa em watts por metro quadrado (w/m²). Por exemplo, o crescimento das concentrações de CO2 de 280 ppm em 1750 para seu valor atual, de 400 ppm, levou a um armazenamento adicional de calor de 1,68 w/m², que é a forçante radiativa devido ao aumento das concentrações de CO2. Os novos cenários foram desenhados para quatro possíveis forçantes radiativas totais, de 2,6 w/m², 4,5 w/m², 6,0 w/m² e 8,5 w/m², correspondentes a crescentes efeitos climáticos da ação do homem ao longo deste século.

Os modelos climáticos são hoje muito mais completos e sofisticados que os utilizados anteriormente pelo IPCC. Eles incorporam inúmeros processos, tais como o ciclo de carbono nos ecossistemas terrestres e nos oceanos, o papel de nuvens e aerossóis, levando em conta interações entre a atmosfera, os oceanos e os ecossistemas terrestres. A resolução espacial dos modelos hoje é muito melhor (de 20 a 80 km) devido aos avanços computacionais.

Os cenários de forçantes radiativas foram introduzidos nos modelos climáticos, que fizeram projeções de aumento de temperatura para o final o século a partir de 2005 de 1,0 a 3,7 graus Celsius, dependendo do cenário de aumento de concentrações. Importante salientar que o planeta já aqueceu 0,89 graus Celsius de 1901 a 2012. O aumento do nível do mar para os quatro cenários desenhados foi projetado entre 40 e 62 centímetros de 2005 a 2100.
 
Geleiras
  Entre os vários efeitos do aquecimento global, o relatório do IPCC projeta reduções na cobertura de gelo no Ártico. (foto: Chris Goldberg/ Flickr – CC BY-NC 2.0)
 
Importantes alterações no padrão espacial e temporal de chuvas e reduções na cobertura de gelo no Ártico foram também projetados, entre muitos efeitos. A frequência de eventos climáticos extremos, como furacões, secas, ondas de calor, enchentes etc., deve aumentar significativamente. Já são observados o aumento da frequência e da intensidade de fenômenos climáticos extremos em todas as regiões do globo.
 

Necessidade de adaptação

É absolutamente claro que nesses cenários temos duas ações urgentes: 1) reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, 2) nos prepararmos para a adaptação às mudanças climáticas que já estão conosco e vão ter impactos socioeconômicos enormes nas próximas décadas e próximos séculos. Na adaptação, os países e regiões mais desenvolvidos sofrerão mais impactos, pela falta de recursos financeiros e humanos para se adaptarem às mudanças climáticas. Na verdade, todos os cidadãos e espécies biológicas em nosso planeta sofrerão as consequências das mudanças climáticas, desde um esquimó isolado no círculo ártico a um índio na Amazônia que ainda não fez contato com o homem branco, assim como espécies de peixes que vivem nas fossas abissais no Pacífico.
 
Para que seja possível uma forte redução das emissões e a construção de uma sociedade que possa viver com recursos renováveis, a questão da governança global é muito importante. Não há hoje mecanismos políticos e sociais globais que possam implementar ações e vigiar e punir quem não atinja suas metas de redução de emissões. Temos todos que colaborar para a execução dessa tarefa hercúlea de reordenar o sistema produtivo de nosso planeta para o consumo e a produção sustentáveis.

Pode demorar muitos anos para que um sistema de governabilidade global eficaz e justo seja implantado em nosso planeta. O problema é que, quanto mais demoramos nessa tarefa, maior será a dificuldade de nos adaptarmos às mudanças climáticas e maiores serão os custos da mitigação e adaptação. A equidade global também é importante, pois questões éticas e de responsabilidade na equipartição dos recursos naturais do nosso planeta não podem ser deixadas de lado. A indústria dos combustíveis fósseis, que movimenta trilhões de dólares, vai ter que abrir espaço para energias renováveis (solar, eólica, hidrelétrica e outras) e perder seu filão de ouro.

Nossa geração tem uma responsabilidade essencial nessa tarefa, e políticas públicas baseadas em boa ciência terão que ser implementadas urgentemente. Agora chegou a vez de os governantes arregaçarem as mangas e trabalharem na construção de uma sociedade realmente sustentável a médio e longo prazos.

Paulo Artaxo
Instituto de Física
Universidade de São Paulo
Fonte: Instituto Ciência Hoje - Online

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