Montanhas verdejantes da região mineira de Diamantina já foram o lugar de um grande deserto na pré-história. A constatação veio da análise de rochas sedimentares de aproximadamente 1,8 bilhão de anos
O verde abundante e as
montanhas altas de Minas Gerais teriam sido um grande deserto há 1,8
bilhão de anos.
(foto: Fábio Simplicio)
(foto: Fábio Simplicio)
Mesmo em um período sem vida inteligente na Terra, a natureza deu um
jeito de registrar a história por meio das diferentes formas geométricas
e minerais das rochas. A partir da análise desses elementos, o geólogo
Fábio Simplicio, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
descobriu que Diamantina, em Minas Gerais, já foi um grande deserto há
cerca de 1,8 bilhão de anos.
A conclusão veio do estudo das formações de arenito existentes na
área rural da cidade. Ao consultar trabalhos de outros pesquisadores
sobre a datação das rochas, Simplicio verificou que elas se formaram
antes de a vegetação terrestre surgir no planeta, o que só ocorreu por
volta de 440 milhões de anos atrás.
A idade deu pistas sobre o ambiente das rochas. Segundo o
pesquisador, na época da formação desses sedimentos, no final do período
chamado de Paleoproterozoico, existiam basicamente dois cenários na
Terra emersa: regiões de grandes desertos e/ou de grandes rios.
Depois de dois anos e meio de análises da composição e do formato dos
corpos rochosos, Simplicio aposta em uma Diamantina desértica. “As
camadas que compõem o arenito ali têm marcas onduladas típicas de
grandes áreas planas constituídas por areias depositadas pelo vento, os
lençóis de areia”, explica. “Para que isso pudesse acontecer, o solo
deveria ser arenoso e o vento, não encontrar obstáculos para o
transporte do material.”
Os arenitos, formações rochosas mais abundantes na região de Diamantina
(Minas Gerais), teriam se formado pelo acúmulo de grãos de areia
transportados pelo vento ao longo de milhares de anos. (foto: Fábio
Simplicio)
A hipótese do geólogo é que durante muito tempo os ventos juntaram
essas porções de areia e que raros momentos de chuva contribuíram para a
cimentação dos grãos. “Sabemos que hoje, quando chove em áreas
desérticas, quase sempre são episódios tempestuosos”, diz. “É provável
que a areia em contato com água e alguns elementos químicos, como cálcio
e ferro, tenha levado a combinações que resultaram na ‘cimentação dos
sedimentos no substrato’, registro preservado até hoje.”
Atmosfera com oxigênio
Além de analisar os componentes e a idade das rochas, o geólogo percebeu a presença de óxido de ferro (Fe2O3), produto de oxidação, revestindo os grãos de areia. “Isso mostra que essas rochas se formaram em um ambiente em que já existia oxigênio livre na atmosfera”, comenta.
A ciência considera que a oxigenação da atmosfera começou há 2,4
bilhões de anos e, há 1,8 bilhão de anos, teria havido uma grande
expansão na concentração de oxigênio. O dado permite correlacionar os
eventos atmosféricos ocorridos na região da atual Minas Gerais aos de
outras partes do mundo, onde há rochas de mesma idade que mostram sinais
de oxidação.
Segundo o pesquisador, a presença de óxido de ferro reforça a ideia
de que a região seria um deserto, pois o contato com a água em um
eventual processo de transporte em um rio, por exemplo, poderia remover
esse revestimento dos grãos de areia.
Possível aplicação
Simplicio destaca que o trabalho pode servir de base para a criação de modelos mais completos que reproduzam o ambiente da Terra há 1,8 bilhão de anos e ajudem a conhecer mais precisamente a distribuição espacial dos diferentes sistemas.
Esses modelos podem ter diversas aplicações, inclusive econômicas.
“Profissionais da área do petróleo utilizam-se desse conhecimento para
antever os melhores locais de extração”, revela o pesquisador.
Por Camille Dornelles
Fonte: Ciência Hoje On-line. 17/01/2014.
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