terça-feira, 15 de julho de 2014

Biólogos alertam que emissário de Ipanema pode gerar danos à biodiversidade

Tubulação tem servido de passagem para o despejo maciço de produtos de difícil decomposição ou altamente poluentes


RIO — O fotógrafo Carlos Secchin tinha o hábito de mergulhar, dia e noite, nas imediações do emissário submarino de Ipanema, onde se acostumou a encontrar peixes como robalos, linguados e pampos. Registrou centenas de imagens de corais que cresceram ao longo da tubulação. Há seis anos, porém, ele se viu obrigado a abandonar o hobby: o mar ganhou aspecto turvo, impedindo qualquer contemplação marinha. Ele não é o único a notar essa mudança. Pesquisadores e ambientalistas alertam para os efeitos nocivos da grande quantidade de lixo que vem sendo despejada no oceano, atingindo a biodiversidade do Monumento Natural das Ilhas Cagarras.

Durante muito tempo, a tubulação teve um fluxo basicamente composto por matéria orgânica. Hoje, o emissário também serve de passagem para o despejo maciço de produtos agressivos ao meio ambiente, de difícil decomposição ou altamente poluentes.

— O mergulho cênico acabou — lamenta Sechin. — A qualidade e a transparência da água caíram muito desde 2008, quando parei de mergulhar em Ipanema. Por questões de segurança, eu não costumava ir até a boca do emissário, mas saía quase meio quilômetro mar adentro, a 20 metros de profundidade. Hoje não dá mais para fazer isso.

PESQUISADOR COBRA TRATAMENTO

Na avaliação de Paulo Cesar Rosman, coordenador do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ, nada justifica a ausência de um sistema de peneiramento do material jogado nas redes de esgoto de 15 bairros, da Glória a São Conrado, que acaba desembocando no mar de Ipanema. Ele ressalta que qualquer objeto com diâmetro igual ou inferior ao de uma bola de tênis passa pela única grade instalada na tubulação.

— Do ponto de vista da engenharia, no caso específico de Ipanema, poderia ser dispensado o tratamento primário para se jogar esgoto no mar, pois a natureza, pela dinâmica do local, se encarrega de matar as bactérias. No entanto, a Lei estadual 2.661/1996 obriga a realização desse serviço. Até entendo que o poder público dê uma autorização especial para dispensá-lo, considerando a falta de espaço físico para a construção de uma estação de tratamento de esgoto. Mas não existir até hoje um sistema de pré-condicionamento do material despejado, um peneiramento progressivo, é algo inadmissível. Seria algo perfeitamente viável e barato. Infelizmente, os cariocas ainda jogam uma grande quantidade de objetos nos vasos sanitários — afirma Rosman.


Prestes a completar quatro décadas de funcionamento (foi inaugurado em 1975), o emissário de Ipanema atraía não só cardumes, mas milhares de cariocas e turistas. As dunas artificiais formadas durante sua construção, assim como um píer em frente à Rua Farme de Amoedo, acabaram se tornando pontos de referência cultural. Hoje, saiu de moda, mas não se pode dizer que está ultrapassado. Carrega 6.400 litros de esgoto por segundo (quantidade produzida por cerca de 950 mil pessoas), mas tem capacidade para suportar o dobro. Feita de polietileno e concreto, sua estrutura tem 3.600 metros de extensão submarina e mil em área terrestre. Os dejetos que recebe são jogados no mar por 180 difusores.

Supervisor de monitoramento do Projeto Ilhas do Rio, o biólogo Carlos Rangel defende a instalação de um sistema de tratamento primário como o do emissário da Barra, inaugurado no fim de 2006. Ele afirma que, em Ipanema, o esgoto afeta profundamente o Monumento Natural das Ilhas Cagarras. Segundo ele, 83% das coletas feitas pela equipe do projeto na região mostraram índices de oxigênio inferiores ao valor mínimo previsto pela resolução federal para águas destinadas à recreação e à proteção de comunidades aquáticas. Biólogos também detectaram a presença de metais pesados em aves e mexilhões.

— O esgoto cai a menos de dois quilômetros da ilha. Se o emissário fosse construído hoje, seria exigido um estudo de impacto ambiental — observa Rangel.

O presidente da Cedae, Wagner Victer, diz ser uma “total insanidade” pensar em fazer tratamento primário no esgoto que chega ao emissário de Ipanema:
— É mais fácil colocar uma usina nuclear em Búzios do que uma estação de tratamento de esgoto na Zona Sul. Além de despropositado do ponto de vista da engenharia, não temos espaço. Vamos colocar a estação no Jockey? Isso não existe. Aí sim, teríamos um impacto ambiental.

Victer afirma que há tratamento primário de esgoto no emissário da Barra porque sua construção ocorreu depois da legislação estadual sobre o tema. Ele diz ainda que, em dezembro, a Cedae divulgará um boletim sobre a qualidade de água no entorno da tubulação de Ipanema.

Fonte: Emanuel Alencar. O Globo, 14/07/2014.

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