Tubulação tem servido de passagem para o despejo maciço de produtos de difícil decomposição ou altamente poluentes
RIO — O fotógrafo Carlos Secchin tinha o hábito de mergulhar, dia e 
noite, nas imediações do emissário submarino de Ipanema, onde se 
acostumou a encontrar peixes como robalos, linguados e pampos. Registrou
 centenas de imagens de corais que cresceram ao longo da tubulação. Há 
seis anos, porém, ele se viu obrigado a abandonar o hobby: o mar ganhou 
aspecto turvo, impedindo qualquer contemplação marinha. Ele não é o 
único a notar essa mudança. Pesquisadores e ambientalistas alertam para 
os efeitos nocivos da grande quantidade de lixo que vem sendo despejada 
no oceano, atingindo a biodiversidade do Monumento Natural das Ilhas 
Cagarras.
Durante muito tempo, a tubulação teve um fluxo 
basicamente composto por matéria orgânica. Hoje, o emissário também 
serve de passagem para o despejo maciço de produtos agressivos ao meio 
ambiente, de difícil decomposição ou altamente poluentes.
— O 
mergulho cênico acabou — lamenta Sechin. — A qualidade e a transparência
 da água caíram muito desde 2008, quando parei de mergulhar em Ipanema. 
Por questões de segurança, eu não costumava ir até a boca do emissário, 
mas saía quase meio quilômetro mar adentro, a 20 metros de profundidade.
 Hoje não dá mais para fazer isso.
PESQUISADOR COBRA TRATAMENTO
Na
 avaliação de Paulo Cesar Rosman, coordenador do Programa de Engenharia 
Oceânica da Coppe/UFRJ, nada justifica a ausência de um sistema de 
peneiramento do material jogado nas redes de esgoto de 15 bairros, da 
Glória a São Conrado, que acaba desembocando no mar de Ipanema. Ele 
ressalta que qualquer objeto com diâmetro igual ou inferior ao de uma 
bola de tênis passa pela única grade instalada na tubulação.
— Do 
ponto de vista da engenharia, no caso específico de Ipanema, poderia ser
 dispensado o tratamento primário para se jogar esgoto no mar, pois a 
natureza, pela dinâmica do local, se encarrega de matar as bactérias. No
 entanto, a Lei estadual 2.661/1996 obriga a realização desse serviço. 
Até entendo que o poder público dê uma autorização especial para 
dispensá-lo, considerando a falta de espaço físico para a construção de 
uma estação de tratamento de esgoto. Mas não existir até hoje um sistema
 de pré-condicionamento do material despejado, um peneiramento 
progressivo, é algo inadmissível. Seria algo perfeitamente viável e 
barato. Infelizmente, os cariocas ainda jogam uma grande quantidade de 
objetos nos vasos sanitários — afirma Rosman.
Prestes a completar quatro décadas de funcionamento (foi inaugurado 
em 1975), o emissário de Ipanema atraía não só cardumes, mas milhares de
 cariocas e turistas. As dunas artificiais formadas durante sua 
construção, assim como um píer em frente à Rua Farme de Amoedo, acabaram
 se tornando pontos de referência cultural. Hoje, saiu de moda, mas não 
se pode dizer que está ultrapassado. Carrega 6.400 litros de esgoto por 
segundo (quantidade produzida por cerca de 950 mil pessoas), mas tem 
capacidade para suportar o dobro. Feita de polietileno e concreto, sua 
estrutura tem 3.600 metros de extensão submarina e mil em área 
terrestre. Os dejetos que recebe são jogados no mar por 180 difusores. 
Supervisor
 de monitoramento do Projeto Ilhas do Rio, o biólogo Carlos Rangel 
defende a instalação de um sistema de tratamento primário como o do 
emissário da Barra, inaugurado no fim de 2006. Ele afirma que, em 
Ipanema, o esgoto afeta profundamente o Monumento Natural das Ilhas 
Cagarras. Segundo ele, 83% das coletas feitas pela equipe do projeto na 
região mostraram índices de oxigênio inferiores ao valor mínimo previsto
 pela resolução federal para águas destinadas à recreação e à proteção 
de comunidades aquáticas. Biólogos também detectaram a presença de 
metais pesados em aves e mexilhões.
— O esgoto cai a menos de dois
 quilômetros da ilha. Se o emissário fosse construído hoje, seria 
exigido um estudo de impacto ambiental — observa Rangel.
O 
presidente da Cedae, Wagner Victer, diz ser uma “total insanidade” 
pensar em fazer tratamento primário no esgoto que chega ao emissário de 
Ipanema:
— É mais fácil colocar uma usina nuclear em Búzios do que
 uma estação de tratamento de esgoto na Zona Sul. Além de despropositado
 do ponto de vista da engenharia, não temos espaço. Vamos colocar a 
estação no Jockey? Isso não existe. Aí sim, teríamos um impacto 
ambiental.
Victer afirma que há tratamento primário de esgoto no 
emissário da Barra porque sua construção ocorreu depois da legislação 
estadual sobre o tema. Ele diz ainda que, em dezembro, a Cedae divulgará
 um boletim sobre a qualidade de água no entorno da tubulação de 
Ipanema.
 


 
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