Imagem de buraco negro prova (mais uma vez) que Einstein estava certo.
Cientistas divulgaram hoje primeira foto destes corpos densos, captada por rede global de satélites.
Com a foto, estudiosos descobriram que equações da gravidade se sustentam até sob condições extremas
A primeira imagem de um buraco negro
foi divulgada nesta quarta-feira por uma equipe internacional de mais
de 200 cientistas. O buraco negro em questão está no centro da galáxia
M87, a uma distância de 55 milhões de anos-luz. Até agora, a existência
destes corpos extremamente densos era conhecida apenas por métodos
indiretos, mas um deles nunca havia sido observado.
Os buracos negros são corpos astronômicos
tão grandes que geram um campo gravitacional do qual nenhuma partícula
escapa, nem mesmo a luz. Os pesquisadores criaram a imagem histórica
unificando dados registrados por uma rede de oito radiotelescópios
espalhados pelo mundo. Juntos, eles agem como uma única antena
parabólica do tamanho da Terra, chamada de Event Horizon Telescope (EHT)
–Telescópio Horizonte de Eventos.
O consórcio EHT apresentou hoje os seus resultados pioneiros em
várias coletivas de imprensa simultâneas em todo o mundo. Na Espanha, o
anúncio foi coordenado pelo Conselho Superior de Pesquisas Científicas
(CSIC), a partir de Madri. O comissário europeu para a Pesquisa, Ciência
e Inovação, Carlos Moedas, disse em Bruxelas que "a história da ciência
será dividida entre o tempo antes de imagem e o tempo depois da
imagem", e destacou que a colaboração internacional dos cientistas "dá
uma lição aos políticos".
Há um século, Albert Einstein
calculou que a força da gravidade poderia distorcer o espaço-tempo.
Suas equações previram que um corpo de densidade muito alta poderia se
esconder atrás de um horizonte de eventos, o limite a partir do qual a
atração do buraco negro é inescapável. Esse horizonte é o que é visto na
imagem recém-publicada. O marco aparece em uma série de seis artigos
científicos publicados nesta quarta-feira em uma edição especial da revista Astrophysical Journal Letters.
Durante cinco dias completos, os oito
radiotelescópios da rede, que incluem o Telescópio de 30 metros de Pico
Veleta, em Serra Nevada (Espanha), se sincronizaram com relógios
atômicos para observar o centro da galáxia
Embora o buraco negro,
por definição, não possa ser visto, o gás que cai nele é aquecido a
milhões de graus e brilha. Contra essa iluminação de fundo há uma
silhueta escura que é a sombra do buraco negro. Tudo isso aparece
bastante desfocado porque o tamanho da imagem excede a resolução máxima
do EHT.
O anel luminoso que envolve o horizonte de eventos é assimétrico
porque o buraco negro está em rotação. Na região inferior, a luz se move
em direção ao observador e aparece mais brilhante, enquanto na parte
superior a luz se afasta e aparece mais tênue. Isso permitiu determinar
que o buraco negro gira no sentido horário.
As equações de relatividade
geral formuladas por Einstein também previram que um horizonte de
eventos deveria ter uma forma circular e tamanho proporcional à massa do
buraco negro, de modo que esta imagem põe novamente à prova a célebre
teoria. A relatividade geral explica o comportamento de objetos
massivos, mas é incompatível com a mecânica quântica, que governa o
mundo das partículas subatômicas.
Com esta imagem, os cientistas descobriram que as equações da
gravidade se sustentam até mesmo sob as condições extremas ao redor do
buraco negro, e Einstein voltou a sair incólume. "Nós medimos que [o
horizonte de eventos] é extremamente circular. Ele se encaixa muito bem
com as previsões da relatividade de Einstein ", disse José Luis Gómez,
pesquisador do Instituto de Astrofísica da Andaluzia (IAA), na coletiva
de imprensa.
Um telescópio do tamanho da Terra
O buraco negro no coração da M87 fica a 55 milhões de anos-luz da
Terra e é 6,5 bilhões de vezes mais massivo que o Sol. Observá-lo da
Terra é comparável a ver da Lua uma bola de tênis na superfície de nosso
planeta, disse Iván Martí-Vidal, pesquisador do Instituto Geográfico
Nacional, na Espanha. Devido a um fenômeno físico chamado difração, há
um limite para o tamanho de objetos distantes que podem ser vistos:
quanto menores ou mais distantes, maior o telescópio necessário.
Neste caso, os cientistas escolheram detectar a luz que envolve o
horizonte de eventos no comprimento de onda de aproximadamente um
milímetro. Nesta faixa do espectro eletromagnético – entre infravermelho
e micro-ondas – a luz pode contornar os obstáculos de gás e poeira do
centro da galáxia M87 para o Sistema Solar na Via Láctea.
Mas, para observar o buraco negro naquele comprimento de onda seria
necessário um radiotelescópio do tamanho da Terra. É por isso que foi
criada a rede de telescópios do EHT, que unifica os dados provenientes
de antenas nos EUA, México, Chile, Espanha e Antártica, por meio de um
processo chamado de interferometria. Quanto mais observatórios são
adicionados, e quanto mais distanciados eles estão um do outro, melhor a
resolução que pode ser obtida do buraco negro na sincronização de suas
observações.
Dois anos para revelar a 'fotografia'
O EHT coletou em abril de 2017 os dados que permitiram construir a
nova imagem. Durante cinco dias completos, os oito radiotelescópios da
rede, incluindo o Telescópio de 30 metros do Pico Veleta, em Serra
Nevada (Granada), se sincronizaram com relógios atômicos para observar o
centro da galáxia.
A enorme quantidade de dados coletados por cada observatório foi
enviada em discos rígidos para uma central nos Estados Unidos. Eram
quatro milhões de gigabytes no total. Um supercomputador combinou todas
as observações, espaçando a reprodução dos diferentes telescópios para
levar em conta a diferença de tempo entre a chegada das ondas
eletromagnéticas a cada uma. Em seguida, astrônomos e engenheiros de
computação analisaram os dados por dois anos.
Como os telescópios estão espalhados pelo mundo, mas não cobrem toda a
superfície da Terra –– o que um telescópio gigante realmente faria –,
um programa de inteligência artificial extrapolou os dados que faltavam
para gerar a imagem mais provável de ser fiel à realidade. Não é uma
fotografia autêntica, mas o que mais se aproxima.
Gómez ressalta ainda que o EHT de fato tirou quatro imagens reais
consecutivas, nos dias 5, 6, 10 e 11 de abril de 2017, todas "analisadas
com independência e com o mesmo rigor". As quatro imagens coincidem.
Portanto, não há dúvida de que o buraco negro na M87 tem a forma
mostrada.
Esperava-se que na coletiva de imprensa fosse apresentada a imagem de
outro buraco negro: Sagitário A*, o corpo massivo no centro da nossa
própria galáxia, a Via Láctea. Sagitário A* fica a 26.000 anos-luz de
distância da Terra e, apesar de ter a massa de quatro milhões de sóis,
estima-se que meça apenas 24 milhões de quilômetros de diâmetro – 17
vezes mais que o Sol.
Antxon Alberdi, diretor do Instituto de Astrofísica da Andaluzia,
esclareceu que esta imagem não está pronta em razão de dificuldades
técnicas, mas "será tomada". "A sensibilidade do EHT melhorará quando
preenchermos a superfície do telescópio equivalente. Isso acontecerá com
a adição de novos telescópios", diz Alberdi.
https://brasil.elpais.com › Ciência
10/04/19
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